Um medicamento-anticorpo experimental destinada a proteger os nervos da devastação provocada pela esclerose múltipla (EM) é esperança para uma forma inédita de combater a doença neurológica — desde que pesquisadores consigam mostrar definitivamente que ela funciona.
O anticorpo, chamado anti-LINGO-1, visa estimular a reconstituição da bainha de mielina, o revestimento membranoso lipídico [e proteico] que protege células nervosas e é danificado pela esclerose múltipla.
Esta semana, a Biogen, uma companhia global de biotecnologia com sede em Cambridge, Massachusetts, que desenvolveu o medicamento, apresentará os resultados de um pequeno ensaio clínico durante o encontro anual da Academia Americana de Neurologia, de 18 a 25 de abril, em Washington, D.C.
Se as conclusões iniciais do estudo forem confirmadas, esta será a primeira terapia do gênero para regeneração de mielina.
Outros pesquisadores estão se esforçando para tentar encontrar mais alvos e compostos de ação similar.
“Assim que obtivermos um resultado positivo, o campo avançará muito rapidamente”, prognostica Jack Antel, neurologista na McGill University, em Montreal, no Canadá.
Mas toda essa empolgação é temperada por obstáculos práticos: até agora ainda não existe nenhuma maneira comprovada para medir a “remielinização” de células nervosas em humanos vivos.
Bainhas de mielina isolam e dão suporte a axônios, fibras que transmitem sinais entre células nervosas.
Na esclerose múltipla, ataques imunes destroem esse revestimento protetor.
Sem essa membrana, os axônios definham gradualmente, provocando a dormência (falta de sensação) e os espasmos musculares característicos da doença.
Os 12 medicamentos aprovados nos Estados Unidos para tratar EM freiam o progresso desse ataque imune, embora às vezes com efeitos colaterais perigosos, mas nenhum deles impede o avanço da doença, explica Bruce Trapp, neurocientista na Clínica Cleveland, em Ohio.
O anti-LINGO-1 bloqueia a proteína LINGO-1, que inibe a produção de mielina e, desse modo, estimula justamente o crescimento da substância lipídica.
Em modelos animais e em células humanas cultivadas em laboratórios, a droga teve bom desempenho consistente.
A proteína LINGO-1 não é o único alvo para terapias que visam estimular a produção de mielina.
A companhia de biotecnologia Acorda Therapeutics, em Ardsley, no estado de Nova York, está conduzindo ensaios clínicos de um anticorpo que se liga às células que originam mielina, embora seu alvo molecular seja desconhecido.
Em 20 de abril, um extenso grupo de pesquisadores relatou em Nature.com que dois medicamentos comercializados para problemas de pele ajudam a restaurar/reconstituir mielina em camundongos e células humanas cultivadas (F.J. Najm et al. Nature; 2015).
Numerosos estudos também levaram a indícios precoces de possíveis drogas, inclusive algumas de terapias já aprovadas anteriormente.
“Estamos entrando na era dourada de alvos”, comemora Robert Miller, um neurocientista na George Washington University, em Washington, D.C., que colabora com a Biogen.
A empresa está na liderança e a indústria observa para ver como ela verificará se sua droga está funcionando, resume Johanne Kaplan, vice-presidente de pesquisa neuroimune na Genzyme, uma empresa igualmente sediada em Cambridge, Massachusetts, que também está desenvolvendo drogas remielinizantes.
Avaliar medicamentos para esclerose múltipla é um desafio.
Os sintomas são difíceis de mensurar de forma confiável e muitas vezes progridem lentamente. Além disso, espera-se que os benefícios de fármacos remielinizantes se manifestem ao longo de anos, não meses.
No encontro de neurologia em Washington, D.C., a Biogen fará um relato sobre um ensaio com anti-LINGO-1 em 82 pacientes com neurite óptica, uma perda de visão comum entre pessoas com EM.
O estudo constatou que o anticorpo não teve desempenho melhor que um placebo para melhorar a acuidade visual.
Mas, em comparação ao placebo, ele acelerou a sinalização em nervos retinais em 41% após oito meses de tratamento, o que talvez seja um sinal de que a bainha de mielina havia sido reconstituída, sugere Gilmore O’Neill, vice-presidente de pesquisa de EM na Biogen.
O ensaio foi pequeno e ainda é muito prematuro para saber se a droga proporcionará alívio tangível de outros sintomas da esclerose múltipla, como dormência, adverte Charles ffrench-Constant, que estuda a doença na University of Edinburgh, no Reino Unido.
Melhorias similares na condutividade nervosa poderiam resultar de menos inflamação, acrescenta. “Não se pode presumir que isso seja, de fato, evidência de regeneração de mielina”, argumenta.
Ainda assim, ffrench-Constant e outros estão animados para detectar qualquer sinal de que a abordagem possa estar funcionando.
“Ela é notável”, reconhece Vittorio Gallo, neurocientista no Children’s Research Institute, em Washington, D.C.
A Biogen está conduzindo outro ensaio com o anti-LINGO-1 em que testa o recurso experimental (baseado em imageamento por ressonância magnética) para avaliar a remielinização e também o efeito da droga nos sintomas de pessoas em que a doença está progredindo rapidamente.
Há pouca expectativa de que o anti-LINGO-1 ou outros medicamentos como ele possam curar a esclerose múltipla, admite Johanne Kaplan.
Em vez disso, a grande esperança é que as drogas possam ser utilizadas em conjunto, ou em combinação com os tratamentos imunes disponíveis para retardar a progressão da doença.
“Se pudéssemos levar as terapias suficientemente cedo a pacientes, talvez pudéssemos mantê-los fora da cadeira de rodas”, conjectura Trapp.
“Isso já seria fantástico”.
Publicado em Nature.com em 22 de abril de 2015. [A Scientific American integra o Nature Publishing Group].